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Ignorance

19
Jul14

Road Between | Capítulo três

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Capítulo três

O diagnóstico

 

Vinte e um de abril de dois mil e dez

Voltei a sentar-me naquelas cadeiras desconfortáveis que, apesar de tudo, eram, provavelmente, as cadeiras onde mais pessoas estavam sentadas durante mais tempo. Tinha recebido uma chamada no dia anterior a dizer que já podia vir buscar as análises mas que o médico queria falar comigo, o que não sabia se era uma boa ou má notícia.

Suspirei e folheei a revista, olhando as fotografias da passadeira vermelha. Angelina Jolie estava a usar um vestido que eu até gostava.

Ouvi o meu nome ser chamado e levantei-me, voltando a dirigir-me ao consultório. Foi a última vez em que me foi possível sentir que eu estava bem e saudável, porque, a partir do momento em que entrei naquela sala e ouvi o médico, nunca mais fui a mesma. Nesse momento o médico deu-me a notícia que me ligou à dor: eu tinha sido diagnosticada com leucemia e não havia cura, só controlo da doença.

Eu, Talia Lancaster, de vinte e três anos, tinha cancro. Um cancro incurável, tal como as crianças com quem me cruzara sempre que ia àquele hospital. Parecia uma realidade tão distante mas ali estava eu.

- Eu… - dei por mim a dizer baixo, interrompendo o discurso do médico que me explicava o meu tipo de cancro. A minha voz estava tremida e demasiado baixa. – Eu preciso de ir trabalhar. – completei, sem saber o que mais dizer. Não aguentava estar ali a ouvi-lo falar como se fosse normal alguém da minha idade ter aquela doença. Eu ia morrer.

- Mas precisa de saber com o que está a lidar… - o médico começou e eu abanei a cabeça, levantando-me. – Será melhor voltar aqui depois, o mais rápido possível.

Suspirei e saí do consultório, passando por diversas pessoas ao longo dos corredores. Quando me vi rodeada de ar fresco, respirei fundo e deixei-me escorregar pela parede, sendo assaltada pelas lágrimas. O que eu dissera era verdade – eu tinha que ir trabalhar – mas agora não sabia como haveria de olhar para as pessoas.

Demorei cerca de um quarto de hora a acalmar-me. Levantei-me e dirigi-me ao meu carro, conduzindo para a redação calmamente. Quando entrei, Harry dirigiu-me um sorriso que rapidamente se desfez ao reparar que eu estivera a chorar.

- Estou bem. – respondi-lhe baixo antes que me perguntasse o que quer que fosse. – Novidades por aqui? – perguntei, sentando-me e recebendo uma resposta negativa em troca. Obriguei-me a sorrir-lhe e depois virei-me para o meu trabalho. Era mais uma entrevista, desta com um médico que tinha um caso em tribunal com uma doente. Felizmente já estava na reta final do seu artigo e, por isso, quando o acabei ofereci-me para ajudar Harry com o seu, senão era obrigada a ficar ali sem fazer nada de útil, e acaba por pensar demasiado na minha nova condição. Eu tinha cancro.

E a morte era inevitável.

Vinte e cinco de abril de dois mil e dez

Ainda não tinha contado nada a ninguém. Não o conseguia fazer. Pior do que sermos nós a termos a doença, era vermos aqueles que amamos a sofrer por algo que, aparentemente, é só a nós que nos afeta. Se calhar eu era egoísta ao pensar que eu tinha que lidar com aquilo sozinha, mas a verdade é que chega a uma altura em que nos consciencializamos que vamos morrer mais cedo do que o previsto. Sim, porque todos vamos morrer um dia, uns mais cedo do que outros.

Sentei-me sobre a cama com as pernas à chinês e abri o caderno que comprara. Tinha um mapa na capa que se estendia até à contracapa e eu achara bastante apropriado. Peguei numa caneta e comecei a escrever a minha lista de desejos antes de morrer.

Lista de desejos

- Contar às pessoas mais próximas

- Cortar o cabelo de uma forma que eu nunca o cortaria

- Fazer mergulho

- Ir a um concerto

- Comprar uma caravana e decorá-la

- Viajar pelo país

Não era uma lista grande e as coisas até eram bastante simples. Apesar da questão monetária que podia complicar as coisas, a verdade é que a primeira de todas seria mais complicada.

Mas foi, definitivamente, cumprida, dias depois. Dos meus pais e da minha irmã recebi abraços de choques e lágrimas que depois se transformaram em palavras de incentivo; de Harry recebi o mesmo apoio de sempre; de Kyle recebi silêncio, um silêncio que representou o choque daquele momento e o do momento seguinte, em que decidi que o melhor para nós era acabar a relação e ele procurar uma com futuro porque ele merecia melhor e algo sólido que não tivesse um prazo de validade.

E eu tinha. Não sabia quanto, mas eu tinha um prazo de validade inevitável e indefinido. E acabar aquela relação foi o melhor que fiz, tanto para mim como para Kyle. Não houve remorsos e eu sempre considerei que tinha sido uma libertação para os dois. 

Aqui está o capítulo. O que estão a achar?

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